“[…] -- De que são feitas as estrelas? – perguntou o mais novito.
----- -- De prata. Pois está visto!
----- Então o outro, lançando um amplo olhar à vastidão infinita do céu, exclamou:
----- -- Eh! tanta prata!
----- -- O Sol, esse é de oiro, disse ainda o Manuel.
----- -- Bem de ver! – volveu-lhe, convencido, o irmão – Que eu, se me dessem à escolha, antes queria as estrelas! Olha que rebanho!
----- -- Pois eu antes queria o Sol. Com licença do teu querer, sempre é mais grande!
----- E enquanto falavam, os dois não desfitavam os olhos da estrela feiticeira que perseguiam. Os remos, no entanto, iam abrindo fenda na água, com certo ruído, muito doce… E, lá no alto céu, dir-se-ia que, de instante para instante, a feiticeira estrela mais brilhava, incitando-os.
----- -- Vê-la a fazer assim? – e pôs-se a pestanejar, imitando a palpitação creba e irregular da luz sideral.
----- -- É que tem sono! – respondeu o outro, a rir.
----- -- Olha que não! Aquilo é a fazer-nos negaças, tamém to digo!
----- -- Ai é?! Pois que faça negaças e que se descuide: se malha cá em baixo, bem se afoga… - e, apontando-lhe um punho cerrado, gritou a rir: -- Eh. boieira!
----- Neste momento, uma estrela cadente abriu esteira de prata e azul, sumindo-se rapidamente. Os pequenos ficaram com medo e ambos murmuraram, em tom de reza, as palavras rituais:
----- -------------- Deus te guie bem guiada,
----- -------------- que no céu foste criada.
----- -- Vês? – Disse o Manuel, que era dos dois o mais supersticioso – Torna a apontar para elas… Eu cá não aponto, que nascem «cravos» nas mãos… […]”
TRINDADE COELHO (1861 - 1908) do conto “Abyssus abyssum”, in «Os meus amores»
José Francisco TRINDADE COELHO, cursou Direito em Coimbra, mas escreveria do ambiente conimbricense: “aquela vida em que estive metido e que nunca se deu comigo nem eu com ela”.
Sem ter, pois, vida fácil, cedo teve que substituir o ambiente boémio por uma vida de trabalho, tanto mais que, entretanto havia casado. Escrevia em jornais, fundou, duas publicações: Porta Férrea e Panorama Contemporâneo e dava explicações.
Com a protecção de Camilo, que nele percebeu cedo as capacidades literárias, entrou na magistratura como Delegado do Procurador Régio, em Sabugal, indo, mais tarde, para Portalegre. Passou pela política no período conturbado do Ultimato Inglês.
Era um inconformado. Nem a fama de grande magistrado, nem o prestígio de escritor, nem a felicidade conjugal conseguiam fazer de Trindade Coelho um homem feliz.
Suicidou-se em 9 de Junho de 1908, deixando-nos uma obra variada e profunda, distribuída por quatro vertentes: jornalismo, obras de carácter jurídico, pornográfico, histórico, intervenção cívica e literatura de ficção.
MM
sábado, 1 de dezembro de 2007
MOMENTOS DE ENCANTAMENTO
a boieira
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2 comentários:
Ora viva Lourenço,
Nunca mais o vi, por onde anda?
Sempre a controlar
ass.
a proud of Kaotik team
eraser
Para o Conttroleiro:
O Lourenço está sempre alerta. É aqui presença quase todos os dias e quem o quiser encontrar pode encontrá-lo sempre ou no seu trabalho ou aqui na explanada da Marina.
De resto, não percebi mais nada do que você quiz dizer... Charadas não são comigo, meu caro controleiro.
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