retrocesso para a democracia
Existe um ethos antidemocrático nalgumas das elites que nos governam que se traduz em medidas legislativas que são um claro retrocesso para a democracia portuguesa.Os ideais de governação, tais como, o reconhecimento da pluralidade de opiniões, a diversidade de representação dos vários interesses societais, a negociação política como forma de construção das decisões, são postos de lado por esta tecnocracia bem pensante, com custos dramáticos para as práticas democráticas que procuram fomentar a cidadania através da participação dos cidadãos.
Deixo-vos com mais uma opinião contracorrente, das poucas que ainda vão tendo acesso às páginas mais ocultas dos jornais nacionais e que vale a pena ler para reflectir sobre os efeitos antidemocráticos da nova lei eleitoral para as autarquias locaisJornal Público de 23 de Janeiro de 2008. O artigo intitula-se "Chapelada eleitoral" e é de autoria de António Vilarigues.
"O que se pretende é afastar da vereação de 87 % dos municípios portugueses os representantes dos partidos da oposição.
Os deputados da nação eleitos nas listas do PS e do PSD cozinharam, a toque de caixa, os mecanismos que vão permitir nas eleições autárquicas de 2009 uma tremenda chapelada eleitoral.
Ao fazê-lo revelam-se "meninos" obedientes de José Sócrates, Luís Filipe Meneses, Alberto Martins, Santana Lopes e tutti quanti. O pretexto é uma mentira esfarrapada, uma descarada aldrabice. A dita falta de "estabilidade governativa" das autarquias. Só que a realidade, essa "chata", aí está para os desmentir sem apelo nem agravo.
Desde o 25 de Abril de 1974, realizaram-se em Portugal por nove vezes eleições para as autarquias. Todas com o actual sistema eleitoral. Salvo erro ou omissão, nunca, em 31 anos de poder local democrático, um executivo camarário caiu por estar em minoria. O caso recente da C.M. de Lisboa, como é sabido, foi por opção própria do PSD.Existem 308 câmaras municipais. Com base nos resultados das eleições de 2005, apenas 13 %, ou seja, 42, são governadas por maiorias relativas. Onde os problemas de funcionamento, em geral, se têm resolvido pelo conhecido e democrático método da negociação política. As outras, 87%, isto é, 266, são de maioria absoluta.
Onde está pois a "falta de estabilidade"? Acresce que só num país politicamente muito doente é que os dois maiores partidos (PS e PSD) podem defender que as maiorias absolutas são um quase insubstituível pilar da democracia. Na verdade, acordos, negociações, coligações e entendimentos entre diversas forças políticas têm, ou deviam ter, igual dignidade e naturalidade democráticas.
O que está, de facto, em causa nesta legislação não é tanto o garantir na secretaria maiorias absolutas. O que se pretende é afastar da vereação de 87 % dos municípios portugueses os representantes dos partidos da oposição.PS e PSD enchem a boca com loas à participação dos cidadãos e à proximidade entre eleitos e eleitores. Não deixa de ser elucidativo que lhes neguem logo à partida o simples e inalienável direito de, com o seu voto, poderem escolher aqueles que melhor os representem.
Uma questão exige resposta clara. O número de vereadores do executivo é atribuído com base em quê? A resposta só pode ser uma - nos votos recebidos pelos partidos, coligações ou listas de cidadãos. Caso contrário, poder-se-ia afirmar que tinha acabado a democracia.
Como muito correctamente aqui escreveu Vital Moreira (2005/06/25), "(...) a eleição conjunta (câmara e AM) implicaria a natural "bipolarização" não somente na eleição do presidente da câmara municipal, garantindo, na maior parte dos casos, uma maioria fiel e obediente ao presidente, tanto mais que o candidato a presidente se encarregaria de controlar a composição da lista a que ele próprio irá presidir.
(…) A ameaça à democracia municipal desta proposta de reforma está na inaudita concentração do poder nas mãos do presidente da câmara e na domesticação das assembleias municipais".Não podíamos estar mais de acordo. PS e PSD, a direita dos interesses, querem-nos impingir uma concepão antidemocrática da gestão das autarquias. Que acentuará inevitavelmente o carácter unipessoal e presidencialista da governação camarária. Reduzindo ao mesmo tempo a sua colegialidade e transparência. Depois disso, ainda se poderá falar em "poder local democrático?"
Concordam com o António Vilarigues? Eu assino por baixo.
Os gémeos partidos do centro podem bem invocar a "responsabilidade" de quem governa, as "boas" práticas de gestão, uma maior "eficiência" e "eficácia" da governança, que o espírito da lei para as autarquias, aquilo que revela é uma concepção profundamente antidemocrata da vida social.
E nós por cá em Loulé? O PS, sorrateiro, silencioso, seguidista das orientações do partido, obedecendo a lógicas que os interesses das populações e da democracia desconhecem, vão consentindo o retrocesso da democracia local.
O PSD, calado, esfregando as mãos, olha para o aniquilamento das oposições como uma dádiva dos deuses e como uma oferenda nacional para o reforço do já majestático poder do príncipe.
E os restantes cidadãos? Alguns alheados, outros, um pouco mais atentos, mas impotentes face a tais arruaças democráticas, outros revoltados e sem poder de intervenção, comum a todos eles, o aumento do divórcio face aos políticos e aos partidos nacionais.
Triste política e frágil democracia. Resta-nos a "realidade", que é sempre mais "chata" do que aquilo que queremos fazer com ela.
E quando não se pode mudar de governo, resta a solução de mudar de povo. Restará?
in blogue «Movimento Apartidário da Cidade de Loulé», por João Martins, em 24/Jan; fotomontagem de Galiós.
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8 comentários:
O tempo tomou conta da minha vontade… corre veloz ao sabor do vento…
Contudo… mesmo num desejo rápido, estou aqui… nem que seja apenas para desejar um bom fim de semana.
E parto… de novo sem promessas, porque não sei quando me será permitido voltar, fica então a vontade de regressar, um dia destes quando o tempo permitir…
Que fique o meu beijo e que dure pelo momento de ausência no espaço de um até breve.
Nadir
http://tianica.blogspot.com/2008/01/ento-e-asae-no-se-preocupa-com-isto.html
Hoje acordei com a sensação que o mundo ia acabar.
Eu não queria que isto tivesse acontecido mas o meu sobresalto foi tão grande que acordei a minha cadela.
Logo- logo pensava que fosse um sonho mas não era, era realidade ele andava por ali, munime duma arma e de surpresa segui os seus movimentos já sentia no meu corpo o seu castigo. Num momento de interna busca localizei-o e foi a minha vingança, matei-o, voltei a deitar-me. A meu lado uma vóz sonulenta mermurou anda para ai um mosquito?
"Voz" é sem acento agudo e "mermurou" é dialecto algarvio. A forma gramatical correcta será mormurou (verbo mormurar no pretérito perfeito do indicativo).
Os mosquitos por vezes fazem tropeçar os elefantes, antes destes morrerem e provocam algumas insónias.
O que interessa mesmo para este post são as pobres mentes antidemocráticas que por aí andam cheias de sonolência.
Que coisa esta, Calçadão: vocês trazem para a discussão assuntos que deveriam interessar a todos e que merecem que as pessoas relictam sobre tais assuntos, e as pessoas falam de coisas que não interessam a nada nem a ninguém. O que é que interessa o mosquito dum e a correcção ortográfica doutro?
Por estas e por outras é que os políticos que temos fazem leis com esta lei eleitoral. Eles já sabem que as pessoas só falam do que não tem importância e os deixam fazer o que querem. E o que querem é estragar o resto da Democracia que ainda temos, para se beneficiarem a eles mesmo, enquanto nós que somos quem lhes paga, discutimos mosquitos e regras ortográficas ou mesmo futebol e novelas...
Olá Sérgio. A relação entre os mata mosquitos e os mata democratas por vezes não é assim tão distante. As duas coisas às vezes caminham lado a lado...
Às vezes o que não é dito é mais importante do que aquilo que está escrito. Parabéns ao calçadão por trazer este assunto à discussão.
De facto estes comentários deixaram-me a reflectir...mas o principal a meu ver...é que os "nossos" políticos, na querm deixar o tachinho...agarrados com "unhas e dentes"...
E é de facto um assunto que deve ser discutido ABERTAMENTE, sem receio nem intenções escondidas.
O Calçadão, como sempre,habituou-nos a assuntos sérios. Este é mais um e merece que todos nós, cidadãos do concelho de loulé reflitamos.
Lá que eles na querem largar o tacho, isso é notório, não????
E nós, cidadãos votantes, deixamos????
P/ a Nadir:
O tempo toma conta das nossas vontades e dos nossos próprios seres… Obrigado por teres vindo visitar-nos.
Não precisas prometer nada, Nadir, basta que não nos esqueças e que voltes…”quando te for permitido voltar”. E obrigado por esse beijo especial (ou devo dizer espacial?)
P/ o Anónimo de 26/Jan/2008 17:54:00:
Que acordar estranho! Mas, meu caro(a): pior que os teus sonhos parecem-me os teus instintos…
E, afinal, qual era o papel do mosquito nessa peça?
P/ Anónimo de 26/Jan/2008 18:51:00:
Bom, em nome do anónimo anterior, obrigado pela aula de ortografia…
Quanto às “pobres mentes antidemocráticas que por aí andam cheias de sonolência”… fazem-me recordar Brecht…
P/ o Sérgio:
Meu caro, também lamentamos aqui o facto de os comentadores fugirem dos temas propostos… Mas que podemos fazer? Se as pessoas não concordarem com o que escrevemos ou com a importância dos temas dos posts, ou se, pura e simplesmente, não se interessarem… vamos obrigá-las a falar sobre eles?
P/ o Anónimo de 26/Jan/2008 23:30:00:
Isso é filosofia, caro anónimo? A mim, prosaicamente, mais pareceu a comparação mosquito=democracia… Mas não era isso, com certeza o que pretendeu dizer…
Mas tem razão quando afirma que “às vezes o que não é dito é mais importante do que aquilo que está escrito”.
Resta-nos a esperança de que os leitores pensem nos temas propostos, mesmo que guardem, para si, os seus comentários “não ditos”. Obrigado pelo cumprimento.
P/ o Alcides:
Eles não “querem deixar o tachinho...agarrados com unhas e dentes". Se trouxemos o assunto à liça foi porque pretendemos alertar os leitores para a importância da questão; para que abertamente discutíssemos a questão, para que “nós, cidadãos votantes”, tomemos consciência da nossa cidadania.
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