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sábado, 11 de outubro de 2008

Antologia

o visionário ou som e cor
.
1- eu tenho ouvido as sinfonias das plantas

Eu sou um visionário, um sábio apedrejado,
passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,
enquanto o mar produz o monstro azulejado
e Deus, em cima, faz as verdes primaveras.
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Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
e erro como estrangeiro ou homem doutras eras,
talvez por um contrato irónico lavrado
que fiz e já não sei noutras subtis esferas.
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A espada da Teoria, o austero Pensamento,
não mataram em mim o antigo sentimento,
embriagam-me o Sol e os cânticos do dia...
.

E obedecendo ainda a meus velhos amores,
procuro em toda a parte a música das cores,
– e nas tintas da flor achei a Melodia.
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2 - o vermelho deve ser como o som duma trombeta
------------------------------------- (de um cego)
.

Alucina-me a cor! – A rosa é como a Lira,
a Lira pelo tempo há muito engrinaldada,
e é já velha a união, a núpcia sagrada,
entre a cor que nos prende e a nota que suspira.
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Se a terra, às vezes, brota a flor, que não inspira,
a teatral camélia, a branca enfastiada,
muitas vezes, no ar, perpassa a nota alada
como a perdida cor dalguma flor que expira...
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Há plantas ideais de um cântico divino,
irmãs do oboé, gémeas do violino,
há gemidos no azul, gritos no carmesim...
.
A magnólia é uma harpa etérea e perfumada,
e o cacto, a larga flor, vermelha, ensanguentada,
– tem notas marciais, soa como um clarim.
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GOMES LEAL, in Claridades do Sul

António Duarte Gomes Leal (1848-1921) nasceu em Lisboa, filho ilegítimo de um funcionário da Alfândega de Lisboa.
Foi escrevente de um notário de Lisboa, o que contribuiu para a sua iniciação na literatura e na política. Frequentou o Curso Superior de Letras, mas não chegou a terminá-lo. Entusiasma-se com o socialismo, ao ler Marx, Darwin, Renan e Proudhon. Aproxima-se ideologicamente de Antero de Quental e Oliveira Martins.

Com este poeta e jornalista, voltamos, hoje, aos «par-nasianos». Prolífero, Gomes Leal escreveu: O Tributo de Sangue (1873), A Canalha (1873), Claridades do Sul(1875), A Fome de Camões (1880), A Traição(1881), O Renegado (1881), História de Jesus (1883), O Anti-Cristo (1886), Fim de Um Mundo (1900), A Senhora da Melancolia (1910).
Foi um dos fundadores dos jornais "O Espectro de Juvenal" (1872) e "O Século" (1881). Escreveu outras obras importantes como " A Mulher de Luto" (depois da sua viagem a Madrid em 1878, por ocasião do casamento de Afonso XII – 1902), os panfletos poéticos "A Traição" e "O Herege" que, pondo em causa o trono na pessoa do rei D.Luís, as instituições burguesas e a Igreja, gerou um verdadeiro escândalo literário e político.
Ultra-romântico, agregando ainda o satanismo byronico, e o simbolismo, revela aspectos parnasianos, nomeadamente na versificação e temática, numa "poesia sentimental e sinestésica que canta as contradições de uma existência repartida entre os amores venais e a fantasia estelar e exótica, a indignação causada pelas injustiças sociais e o pessimismo, ora negro ora afectadamente cínico e positivista".
Depois da morte da mãe, cai na miséria, converte-se ao Catolicismo. Dorme de casa em casa, ou nos bancos da praça pública, e chegou a ser apedrejado pelos garotos da rua, até que escritores, como Teixeira de Pascoaes, lançaram um apelo a seu favor, conseguindo que o Parlamento lhe votasse uma pequena pensão anual, que foi o seu sustento até à morte, em 1921.
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