já fizeram uma visitinha

Amazing Counters
- desde o dia 14 de Junho de 2007

domingo, 26 de outubro de 2008

Antologia

deslumbramentos ------

Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!...

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!...

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo de um regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos – as rainhas.

CESÁRIO VERDE (1855-1886)

José Joaquim Cesário Verde nasceu em 25 de Fevereiro de 1855, em Lisboa. Filho de um lavrador e comerciante, dedicou-se desde muito jovem à profissão do pai. Em 1873 matriculou-se no curso de Letras da Universidade de Coimbra, mas reconheceu que esse não seria o seu caminho e, ao fim de alguns meses, abandonou os estudos universitários, passando a dedicar-se à pintura e à poesia..
Nesse período, começou a publicar poesias em diversos jornais. É também nessa época também que lhe surgem os sintomas da tuberculose, doença que o levaria à morte, em 18 de Julho de 1886.


Correspondência de um ex-aluno que muito prezo, chama-me a atenção para o facto de não ter tratado a obra dr Cesário Verde, quando fiz a mini-antologia «parnasiana».
Não tem esta coluna a intenção de ser exaustiva na sua vertente pedagógica e também não tem pretensões de funcionar como um compêndio de Literatura Portuguesa; no entanto, aceito voltar ao tema do «parnasianismo português».
Quanto a esse «parnasianismo» de Cesário, que refere o meu correspondente, tem alguma razão de ser. Alguma, porque Cesário, na sua obra poética revela uma aproximação a várias estéticas:
- Ao «realismo», quando demonstra o interesse pela captação do real, pelas cenas da natureza, por quadros e figuras citadinos:
- Ao «naturalismo», quando revela a objectividade dos temas, baseados no quotidiano e na natureza;
- Ao «impressionismo», quando capta a realidade, retratando-a, porém, filtrada pelas percepções e emoções..
– Ao «parnasianismo», quando utiliza formas exactas e correctas. Mas a subjectividade que Cesário usa tantas vezes, a forma como expressa sensações e sentimentos “Despertam-me um desejo absurdo de sofrer”, “o gás extravasado enjoa-me, perturba”), constitui um desvio claro relativamente à escola parnasiana.
Cesário é, de certo modo, um resumo antológico, no estilo e na linguagem.
Rotulá-lo simplesmente como poeta parnasiano é demasiado redutor.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado. Fiquei esclarecido. Afinal eu também não estava muito enganado...