Mas quando sentimos que outros, bem distantes das nossas opiniões e preferências, alinham nos mesmos parâmetros de análise, ficamos mais confortados.
Foi o que aconteceu agora, ao ler esta crónica de Baptista-Bastos no Diário de Notícias de anteontem:
"Uma inesperada combinação de timidez, pedanteria, tenacidade e decisão, eis o que subjaz à conquista da presidência do PSD por Pedro Passos Coelho. Contra ele tinha (tem) os grandes tuba-rões do partido, e verdetes especiais, levemente absurdos, aber-tamente renitentes. Cavaco detesta-o. A dr.ª Manuela não o su-porta: de tal forma que, às escâncaras, escorraçou-o (e a Miguel Relvas) das suas preferências para o Parlamento. Jardim acha-o intolerável e manifesta o seu azedume sem dissimulação. Pacheco Pereira abomina-o. O dr. Rio execra-o. O dr. Sarmento odeia-o. O prof. Marcelo nem sequer sorri, para disfarçar, quando alude ao "companheiro". É um apreciável lote de inimigos, gente poderosa que nada realiza de graça, que procede segundo impulsos amiúde pouco claros - mas cujo comportamento tem tudo a ver com poder e mando.
Mudar foi o título do livro programático de Passos, e o estribilho que o acompanhou na campanha. Mas "mudar" quê e quem? Perguntas ociosas para um partido que vive de mecanismos de ocorrência, ausente de ideologia, afastado do "espírito de mis-são", unicamente propenso ao trânsito da "alternância" e em contínuo esforço para se manter ao nível da luz. A eleição não ameaçou esse poder nem esse mando. Deixou-os, somente, apreensivos. Que nomes irão revezar os nomes? Que nomencla-tura irá substituir a nomenclatura?
Sentimo-nos tentados, por cansaço de Sócrates, por inércia mental, a aceitar uma nova variação dos rostos. Mas os rostos persistem em incrustar-se na nossa História, porque a demons-tração da sua "legitimidade" consiste na sua permanência alternada. É óbvio que assistimos à dissolução de uma identida-de política, e ao mimetismo linguístico revelador da fragilidade dos dois grandes partidos portugueses. A questão é: conseguirá Passos recuperar o lugar que pertenceu ao PSD, e foi sonegado, exaustivamente, por Sócrates? Finalmente: que posição no pódio deseja, hoje, o PS?, que se sente intimidado pelo novo presidente do PSD, mesmo sem este ter ainda tomado posse.
Há uma troca simbólica de nível, e 61% dos votos não correspon-dem a uma casualidade circular. O ódio a Passos, no partido, po-de, curiosamente, juntar em seu favor as peças tresmalhadas. Viu-se, na noite da vitória, a recomposição das presenças. Pareciam os anacoretas no deserto que,subitamente iluminados, queriam ampliar o reino de Deus. Não há afecto, em política: há urgências e há necessidades de poder. E o poder dispõe de instrumentos que se expressam a si mesmos, numa rotina incansável, porque o poder não possui variantes. Amado ou odiado, Passos Coelho começou a ser um homem sob vigilância" BAPTISTA-BASTOS, in Diário de Notícias 31/Março
Não comungo, nem de perto nem de longe com as ideias políticas de Baptista-Bastos. Mas tenho de dar a mão à palmatória por esta crónica, que sintetiza, com exactidão e duma forma ligeira mas acutilante, a situação do novo líder social-democrata.
Pelo que expressa (e bem) o colunista Baptista Bastos, é razão para perguntar: líder… por quanto tempo?
E às palavras de Baptista-Bastos eu ajuntaria apenas uma obser-vação algarvia: repare-se que nesta região foram precisamente os menos inteligentes e os mais oportunistas os que acorreram a dar- -lhe apoio.
Ou, como diria Baptista-Bastos: “gente poderosa que nada realiza de graça, que procede segundo impulsos amiúde pouco claros”.
.
8 comentários:
O Baptista Bastos assim como o amigo Lourenço aproveitem o sol e a praia amena e vão dar banho ao cão.
A melhor análise sobre as eleições no PSD que já li. Muito bem arquitectada e desenvolvida. É obrigatório ler este homem às quartas-feiras no DN. Os seus artigos no DN não só deviam ser publicados em livro, como deveriam estar nas secretárias da esmagadora maioria dos jornais e telejornais, nas bancadas dos deputados no parlamento e nos partidos políticos. Ainda aprendiam muito e a qualidade intelectual destes melhorava significativamente.
Brilhante como sempre! A lucidez do Dr. B.B. é um bálsamo neste deserto que atravessamos, cada vez mais penosamente. Parabéns a ele que o escreveu e ao Calçadão que sabe divulgar o que vale a pena ser divulgado.
Luís Sobral
Grande Crónica! Como militante do PSD, não posso deixar de felicitar o escritor e ter pena de não ter ninguém no meu partido esta lucidez e acertividade intelectuais que tanta falta fazem. O articulista não lança "fel" nenhum ao Dr. Passos coelho, pelo contrário, pois foi o único candidato que conseguiu uma esmagadora maioria oriunda das bases e não dos barões que têm destruído o meu partido. O doutor Passos coelho tem sido efectivamente um "mal amado" no PSD, mas à custa de muito trabalho nas bases é agora líder. Bela análise!
Não sei se os anacoretas vão reestabelecer o reino de Deus. Pelo que vejo, saltam as toupeiras para abocanhar lugares; e outras, ao cimo da terra, perceberam quem seria vencedor (por ora).
Exactamente! Bem caracterizado o "esquema" PPD/PSD...Mas, sabes BB, deixa lá estar o Sócrates que é, por ora, o mais adequado, dilecto!
Notável sintaxe do que passa no PSD e no país. Efectivamente, Passos Coelho tem sido um mal-amado destoa da organização social-democrata
Só podia mesmo tratar-se de um anacoreta: longe de tudo e todos não sabe o que se passa na urbe. Onde está a corrupção do PM? SE está farto de Sócrates, é lá consigo, de resto como anacoreta, já está com o problema resolvido, ninguém o chateia,agora não use o plural abrangente. Que pobreza de argumentos !
Reinaldo
Enviar um comentário