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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Antologia

poema do alegre desespero
Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,

ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.

Compreende-se.

E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no ____________________________________________________ Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de
_____________________________________________________ perfil
e o Estrabão, o Artaxerpes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada _______________________________________________ dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas ____________________________________________________ terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Épiro, e conquistavam o Épiro __________________________________________ e perdiam o
Lácio,

e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.

Compreende-se.

Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo
um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.

Compreende-se.

Lá para o ano três mil e tal.

E o nosso sofrimento para que serviu afinal?

ANTÓNIO GEDEÃO (1906 / 1997)

Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, que se tornou conhecido no mundo das letras sob o pseudónimo de António Gedeão, nasceu em 24 de Novembro de 1906, em Lisboa. Era filho de um funcionário dos correios e telégra-fos e de uma dona de casa que, apesar de contar somente com a instrução primá-ria, teve influência decisiva para a sua vida.
Esta senhora transmitia, através da sua paixão pelos livros, a atmosfera literária que se vivia em sua casa, e foi ela que inculcou em Rómulo um forte interesse pela arte das palavras. O jovem toma, muito cedo, contacto com os mestres da língua portuguesa. Cesário Verde era o seu preferido e o livro “As mil e uma noites”, a sua bíblia.
Não surpreende que aos 5 anos tivesse escrito os seus primeiros poemas e aos 10 tenha tomado a “decisão de completar ‘Os Lusíadas’.
Quando, porém, ao entrar para o liceu Gil Vicente, toma contacto com as ciên-cias, cria um novo interesse, que será decisivo para a escolha do caminho a tomar quando vai entrar na Universidade, pois, embora a literatura o tenha acompanhado durante toda a sua vida, não se mostrava a melhor escolha para quem, além de procurar estabilidade, era extremamente pragmático: opta pela área das Ciências Fisico-Químicas, na Universidade do Porto.
Em 1932, um ano depois de se ter licenciado, forma-se em ciências pedagógicas, definindo, assim, qual será a sua actividade principal durante 40 anos: professor. Um professor que afirmava que “ser Professor tem de ser uma paixão - pode ser uma paixão fria mas tem de ser uma paixão. Uma dedicação”.
E assim, foi a sua vida profissional: paixão. Dedica-se, de alma e coração, à ciência e à sua divulgação. Mas, apesar da intensa actividade científica, Rómulo de Carvalho não despreza a arte das palavras e em 1956, já com 50 anos, surpreendeu com a publicação de “Movimento Perpétuo”, revelando a sua sensibilidade poética. Seguiram-se “Teatro do Mundo” (1958), “Máquina de Fogo” (1961), “Poema para Galileu” (1964), “Linhas de Força” (1967). A sua obra literária revela grande rigor científico, ao mesmo tempo que nos transmite uma humanidade comovente para com o sofrimento alheio ou a solidão, mas era, amiúde, capaz de nos sobressaltar com uma surpreendente ironia. Em 1963 publicou a peça de teatro RTX 78/24 (1963) e dez anos depois a sua primeira obra de ficção, A Poltrona e Outras Novelas (1973).
Alguns dos seus textos poéticos foram aproveitados para músicas de intervenção. A “Pedra filosofal”, de uma beleza e profundidade extremas, musicada por Manuel Freire, transforma-se rapidamente num ícone tornando-se num hino à liberdade e ao sonho premo-nitório de uma Liberdade redentora.
Em 19 de Fevereiro de 1997 a morte leva Rómulo de Carvalho.
Gedeão, esse já tinha morrido alguns anos antes, aquando da publicação de Poemas Póstumos (1984) e Novos Poemas Póstumos. Deixou saudades.
..

2 comentários:

Anónimo disse...

Peço desculpa pela replicação do elogio, mas fico maravilhado com as suas escolhas.
Cumprimentos
João Martins

Ana Maria disse...

Obrigado, João Martins.

É bom saber que os nossos objectivos estão a ser atingidos, pelo menos junto de alguns leitores.

Sinto-me reconfortada com os seus amáveis elogios.

Cumprimentos.

A. Maria V.