já fizeram uma visitinha

Amazing Counters
- desde o dia 14 de Junho de 2007

sábado, 8 de novembro de 2008

Antologia

como os grandes comem os pequenos…
O meu “post” de hoje, foge à regra que me impusera de dedicar toda a primeira série desta “antologia” à poesia portuguesa, agrupando as diversas correntes e épocas.
Porque era uma “regra” instituída por mim mesma e porque o primeiro dever de quem procura prestar um serviço público é ir ao encontro das aspirações daqueles a quem se destina, rompo hoje mesmo a linha de rumo que me auto impusera, a fim de cumprir o desejo de um leitor que pretendeu tirar dúvidas sobre um sermão do Padre António Vieira. Pela sua extensão, limito-me a publicar excertos que, no entanto, “respondem” por si mesmos, ao que foi solicitado.
.
“Sermão de Santo António” - São Luís do Maranhão, no Brasil,1654 Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de emenda. A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. [...]
Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os credores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-a a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.
Já se os homens se comeram somente depois de mortos, parece que era menos horror e menos matéria de sentimento. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós. [...]
Caricatura do brasileiro Batistão
Padre António Vieyra nasceu em 6 de Fevereiro de 1608, em Lisboa, e faleceu na Baía em 18 de julho de 1697. Em 1614, mudou-se com a família para o Brasil, estudou num Colégio Jesuíta da Bahia e, aos 15 anos, ingressou na Companhia de Jesus. Aos 18 anos, já ensinava Retórica.
Desde muito cedo se teve notícias de seus triunfos como pregador. Destacou-se em 1640, quando os holandeses cercaram a cidade de Salvador e Vieira exortou os portugueses à luta com o Sermão Pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as da Holanda.
Depois da vitória portuguesa, regressou a Portugal, em 1641, sendo rei D. João IV. Desempenhou missões diplomáticas na Europa, mas voltou ao Brasil em 1653, para o estado do Maranhão, depois de se envolver em questões relacionadas com a Companhia de Jesus. Aí torna-se paladino dos direitos humanos, a propósito da exploração dos indígenas. No ano seguinte prega o " Sermão de Santo António aos Peixes ". Expulso do Maranhão pelos colonos, em 1661, e regressa a Lisboa. Em 1665 é preso em Coimbra pelo Tribunal do Santo Ofício sob a acusação de acreditar nas profecias do poeta Bandarra. Três anos depois foi amnistiado e depois de uma missão em Roma, onde combateu denodadamente o Tribunal do Santo Ofício. Retirou-se, de ve,z para a Baía em 1681.

A sua prosa é vista como um modelo de estilo vigoroso e lógico, onde a construção frásica ultrapassa o mero virtuosismo barroco. A sua riqueza e propriedade verbais, os paradoxos e os efeitos persuasivos que ainda hoje exercem influência no leitor, a sedução dos seus raciocínios, o tom por vezes combativo, e ainda certas subtilezas irónicas, tornaram a arte de Vieira admirável. ..

Sem comentários: