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sábado, 1 de novembro de 2008

Antologia

ladainha das lanchas

Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das naus, de esquadras e de frotas!

Oh as lanchas dos poveiros

A saírem a barra, entre ondas de gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera de maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-a com toda a forca,
Clamam todas à urra: «Agora! agora! agora!»
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! Que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento e todas, à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:
.
Senhora Nagonia!
.
Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!
.
Senhora Daguarda!
.
(Ao leme vai o Mestre Zé da Leonor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe a espingarda
O caçador!
.
Senhora d'ajuda!
Ora pro nobis!
Caluda!
Semos probes!
.
Senhor dos ramos
Istrela do mar!
Cá bamos!
.
Parecem Nossa Senhora, a andar.
.
Senhora da Luz!
.
Parece o Farol...
Maim de Jesus!
.
É tal e qual ela, se lhe dá o sol!
.
Senhor dos Passos!
Sinhora da Ora!
.
Águias a voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fora...
.
Senhor dos Navegantes!
Senhor de Matosinhos!
.
Os mestres ainda são os mesmos dantes -
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mailos quatro filhinhos,
Vasco da Gama, que andam a ensaiar...
.
Senhora dos aflitos!
Mártir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!
.
Ó lanchas, Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!
.
Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jeques, o Pardal, na Nam te perdes,
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes,
«As armas e os varões assinalados...»
.
Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre! com que força o Vento a impele!...
.
Bamos com Deus!
.
Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com Ele
Por esse mar de Cristo...
Adeus! adeus! adeus!

ANTÓNIO NOBRE, in «Só»

António Nobre nasceu no Porto, em 16 de Agosto de 1867, numa família abastada. Em 1888 matriculou-se no curso de Direito da Universidade de Coimbra, mas não se sentiu atraído pela academia coimbrã, e acabou por reprovar por duas vezes. Partiu, então para Paris onde se licenciou em Ciências Políticas, em 1895.
Em França conheceu Eça de Queirós, na altura cônsul de Portugal naquela cidade. Integrou-se nas novas tendências da poesia, aderindo ao simbolismo, e escreveu a maior parte dos poemas que viriam a constituir a colectânea «Só», que publicaria em 1892.
Este livro seria a sua única obra publicada em vida, mas constitui um dos marcos da poesia portuguesa do século XIX. A obra, inicialmente editada em Paris, seria, ainda em sua vida, reeditada em Lisboa, com variantes, lan-çando definitivamente o poeta no meio cultural português.
Aparecida num período em que o simbolismo era a corrente dominante na poesia portuguesa desse tempo, «Só» diferencia-se dos padroes dominantes desta corrente, o que poderá explicar as críticas pouco lisonjeiras com que a obra foi inicialmente recebida em Portugal. Apesar desse acolhimento, a obra de António Nobre teve como mérito, juntamente com Cesário Verde, Guerra Junqueiro, Antero de Quental e outros, de influenciar decisivamente o modernismo português e tornar a escrita simbolista mais coloquial e leve.

Já em Portugal, onde enveredara pela carreira diplomática, adoeceu com tuberculose pulmonar, doença que o vitimou, na Foz do Douro, em 18 de Março de 1900, com apenas 33 anos de idade.
Mas a sua obra influenciou os grandes nomes do modernismo português, como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, deixando uma marca indestrutível na literatura da língua portuguesa.
..

1 comentário:

Anónimo disse...

Drª Ana Maria, quero felicitá-la.
Realmente, a sua antologia é ela, só por si, um espectáculo.
Estou a usar as suas escolhas com os meus próprios alunos, na escola onde lecciono, em Leiria.
Obrigado pela orientação subliminar
Atenciosamente

Vasco S. Ramos