gravata – uma fronteira perigosa
[…] Manhã nada, já eu estava a pé, sentado a banca da cozinha com os ganhões da herdade, diante da açorda patriarcal que o alho impregna de odores vermífugos. Vestia como eles a camisola de lã, o largo chapéu de borla e os grossos sapatos cardados, pião na algibeira, uma cicatriz transversal na testa, de pedradas antigas. Era imperioso e adorado; de resto abusava, dizia sempre – quero, porque quero! Quando eu dormia, minha mãe ia beijar-me, e de uma vez, acordando sob um desses beijos, que são como ninfas albas caídas no mármore de epidermes frias, voltei-me e disse enraivecido:
----- – Os homens não se beijam, apre!
Duma vez bateram-me. Enquanto eu berrava, o galo, cantando, fazia-se apoteose da postura recente de uma galinha amarela, que desposara. Fui-me a ele e torci-lhe o pescoço.
----- – Para não mangares comigo. Toma!
A eira, diante do monte da herdade, era um plano inclinado, dura e polida, sem ervas. Deitava-me no cimo e vinha rolando até baixo. Nunca conseguiam trazer-me limpo – que tinha um ódio insofrido pelos fatos novos e pelos peitos engomados, considerando a gravata um traste inútil, de que me servia para amarrar chocalhos ao pescoço das ovelhas. Só anos depois acreditei que o mundo que eu não conhecia, o outro, fazia dessa tira de seda uma fronteira perigosa – por muito infestada pelo contrabando. […]
FIALHO DE ALMEIDA (1857-1911), do conto «O ninho da águia»
.
José Valentim Fialho de Almeida, filho de um mestre-escola, nasceu em Vila de Frades, Vidigueira, em 7 de Maio de 1857 e terminaria os seus dias ali perto, em Cuba, no dia 4 de Março de 1911.
Estudou no Liceu Francês e depois no Instituto Politécnico, estando empregado como ajudante de farmácia, em Lisboa e, com muito esforço, tirou o curso de Medicina na Escola Médico-Cirúrgica – profissão que nunca chegaria a exercer em pleno.
Entrega-se, então à vida boémia e literária lisboeta e, em 1880, funda a revis-ta «A Crónica», colaborando também em vários jornais e revistas: Novidades, O Repórter, Pontos nos II, Ilustração Portuguesa, Correio da Manhã e outros.
O seu primeiro conto foi publicado em 1881, dedicado a Camilo.
O pseudónimo “Valentim Demónio”, com que assinou muitas das suas crónicas mordazes, assentava como uma luva no Fialho mais conhecido, o crítico polemista e cáustico panfletário.
Mas a sua faceta de ficcionista revela, talvez, mais que as «Pasquinadas» (1890), a «Vida Irónica» (1892), ou «Os gatos» (1889-1894), o seu espantoso sentido de observação e a faculdade de reduzir os factos do quotidiano a imagens escritas de rara sensibilidade e com profundo espírito de observação.
Mas o seu estilo literário, pautado pelo Naturalismo, procurou sempre transmitir sensações fortes.
Panfletário, foi um feroz antimonárquico. Regressado ao Alentejo para se entregar à sua vida de lavrador que entretanto abraçara, volta os seus rancores contra a República. Ele, que tanto amara a boémia lisboeta, enclausura-se nas suas terras de lavoura mas, de quando em vez, sente a revolta:
“---- – É horrível a vida na aldeia. Se não fossem os livros, já me tinha suicidado. Cada vez preciso mais de ver gente e desta vida artificial de Lisboa. Na aldeia, em Cuba, não falo com ninguém, não tenho ninguém com quem comunicar. São de bronze aqueles filhos da puta! E nem a mais pequena sombra de sensibilidade. E se imaginam que a gente não tem dinheiro, estamos perdidos!...
----- – Fuja.
----- – Não posso”.
.
Com Fialho voltamos aos escritores pós-românticos, talvez o ciclo mais fecundo da literatura portuguesa.
..
----- – Os homens não se beijam, apre!
Duma vez bateram-me. Enquanto eu berrava, o galo, cantando, fazia-se apoteose da postura recente de uma galinha amarela, que desposara. Fui-me a ele e torci-lhe o pescoço.
----- – Para não mangares comigo. Toma!
A eira, diante do monte da herdade, era um plano inclinado, dura e polida, sem ervas. Deitava-me no cimo e vinha rolando até baixo. Nunca conseguiam trazer-me limpo – que tinha um ódio insofrido pelos fatos novos e pelos peitos engomados, considerando a gravata um traste inútil, de que me servia para amarrar chocalhos ao pescoço das ovelhas. Só anos depois acreditei que o mundo que eu não conhecia, o outro, fazia dessa tira de seda uma fronteira perigosa – por muito infestada pelo contrabando. […]
FIALHO DE ALMEIDA (1857-1911), do conto «O ninho da águia»
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José Valentim Fialho de Almeida, filho de um mestre-escola, nasceu em Vila de Frades, Vidigueira, em 7 de Maio de 1857 e terminaria os seus dias ali perto, em Cuba, no dia 4 de Março de 1911.
Estudou no Liceu Francês e depois no Instituto Politécnico, estando empregado como ajudante de farmácia, em Lisboa e, com muito esforço, tirou o curso de Medicina na Escola Médico-Cirúrgica – profissão que nunca chegaria a exercer em pleno.
Entrega-se, então à vida boémia e literária lisboeta e, em 1880, funda a revis-ta «A Crónica», colaborando também em vários jornais e revistas: Novidades, O Repórter, Pontos nos II, Ilustração Portuguesa, Correio da Manhã e outros.
O seu primeiro conto foi publicado em 1881, dedicado a Camilo.
O pseudónimo “Valentim Demónio”, com que assinou muitas das suas crónicas mordazes, assentava como uma luva no Fialho mais conhecido, o crítico polemista e cáustico panfletário.
Mas a sua faceta de ficcionista revela, talvez, mais que as «Pasquinadas» (1890), a «Vida Irónica» (1892), ou «Os gatos» (1889-1894), o seu espantoso sentido de observação e a faculdade de reduzir os factos do quotidiano a imagens escritas de rara sensibilidade e com profundo espírito de observação.
Mas o seu estilo literário, pautado pelo Naturalismo, procurou sempre transmitir sensações fortes.
Panfletário, foi um feroz antimonárquico. Regressado ao Alentejo para se entregar à sua vida de lavrador que entretanto abraçara, volta os seus rancores contra a República. Ele, que tanto amara a boémia lisboeta, enclausura-se nas suas terras de lavoura mas, de quando em vez, sente a revolta:
“---- – É horrível a vida na aldeia. Se não fossem os livros, já me tinha suicidado. Cada vez preciso mais de ver gente e desta vida artificial de Lisboa. Na aldeia, em Cuba, não falo com ninguém, não tenho ninguém com quem comunicar. São de bronze aqueles filhos da puta! E nem a mais pequena sombra de sensibilidade. E se imaginam que a gente não tem dinheiro, estamos perdidos!...
----- – Fuja.
----- – Não posso”.
.
Com Fialho voltamos aos escritores pós-românticos, talvez o ciclo mais fecundo da literatura portuguesa.
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2 comentários:
Ó pressora! diga mas é qual é a tua keres avaliaxoes o n e tá a favor ó cntra o esttto ds als...
O problema das avaliações é mesmo este. Elas passam a ser um fim em si. Da antologia...nem um bocadinho de reflexão...ó pressora! diga lá... quer ou não quer...anto...quê???
Cumprimentos especiais à stora!
João Martins
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