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sábado, 9 de agosto de 2008

Antologia

além-tédio

Nada me expira já, nada me vive
---------Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...
Mário de Sá-Carneiro

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (Lisboa, 19Mai1890 / Paris, 26Abr1916) Nasceu, no seio de uma abastada família; filho e neto de militares. Órfão de mãe com apenas dois anos ficou entregue ao cuidado dos avós, indo viver para Camarate, às portas de Lisboa.
Cedo se inicia no campo da poesia, aos doze anos. Com uma educação esmerada, aos dezasseis anos já traduzia Schiller e Goethe.
Com dezanove anos, entrou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, mas nem sequer concluiu o primeiro ano; mas foi quando conheceu Fernando Pessoa que se tornou o seu melhor amigo e o introduziu no ciclo dos modernistas.
Seguiu depois para Paris para fazer continuar a estudar, mas cedo deixou as aulas na Sorbonne, dedicando-se a uma vida boémia, debatendo-se com os seus desesperos e frustrações.
Conhece, então, Santa-Rita Pintor e mantém correspondência reconfortante com Pessoa, amenizando, assim, a sua instabilidade psicológica. Grande parte da sua obra poética é composta neste período.
Regressado a Lisboa, reforça os seus laços intelectuais e de amizade com Pessoa e com Almada Negreiros, integrando o primeiro grupo modernista português que, influenciado pelas vanguardas culturais europeias, escandaliza a sociedade burguesa da época.
Ao criarem a revista Orpheu (de que apenas saíram dois números), o grupo ficou conhecido como a o G
rupo d’Opheu, o escândalo literário à época.
Em Julho de 1915, Sá Carneiro regressou a Paris e é neste período que escreve a Pessoa cartas de uma crescente angústia, das quais ressalta não apenas a imagem lancinante de um homem enredado no «labirinto de si próprio», mas também a evolução do seu processo de escrita.
A sua crescente angústia viria a conduzi-lo ao suicídio no ano seguinte, apenas com 26 anos, no bairro dos artistas: Montmartre.
Apesar de o grupo modernista português ter perdido um dos seus mais significativos colaboradores, nem por isso o entusiasmo dos restantes membros esmoreceu – no segundo número da revista Athena, Pessoa dedicou-lhe um texto antológico, apelidando-o de «génio não só da arte como da inovação dela».

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1 comentário:

Anónimo disse...

É sempre um prazer ler os seus posts. Parabéns pelas escolhas.
João Martins