no asilo
---- "[…] O pão do Asilo tinha um sabor que nunca encontrei em outro pão, por mais desgraçados que fossem os meus dias: um gosto amargo e requentado. E em todo o refeitório havia um cheiro idêntico. Tudo, até Cristo, até o caldo aguado, a mesquinha ração que nos davam, pareciam dizer-nos: “Olhai que viveis por caridade! Habituai-vos à desgraça!”.
----- Quereis crer? Muito mais caridoso seria afogar as crianças que não têm mãe. Livrá-las-íeis do asilo, da caridade, da vida.
----- No dormitório tudo era regular, branco e monótono e, apesar de branco, fúnebre. O sol, que entrava pelas janelinhas abertas numa muralha de prisão, era pálido e, mesmo de Verão, parecia um sol de Inverno; as camas, todas de branco, alinhavam-se encostadas às paredes caiadas e nuas; só ao fundo, por cima da cama da Irmã, um Cristo de louça azul manchava aquela brancura.
----- O recreio não era na cerca do convento. Brincávamos, sem barulho, no claustro. […]
----- Daquela vida idêntica, seca, dura, vinha um dia, quando éramos grandes, arrancar-nos o provedor.
----- Era um dia solene. Íamos partir. Quem precisasse duma criada que comesse pouco, procurava-a no Asilo. Uma caderneta, papéis, alguns trapos, camisitas curtas e o discurso do senhor provedor:
----- -- Sustentou-as este Asilo, por caridade. Se vivem, devem-no aos benfeitores. Ora lembrem-se sempre, nas suas orações, do bem que lhe fizeram. E na casa que as recebe, sejam agradecidas. Tomam-nas por esmola…
----- E assim, com uma trouxa debaixo do braço, partíamos para a vida.
----- Oh!, minha mãezinha!”
RAUL BRANDÃO ( 1867 . 1930 ) in “Os pobres”
Raul Germano Brandão, filho e neto de homens do mar, nasceu na Foz do Douro em 12 de Março de 1867.
Depois de uma breve passagem pelo Curso Superior de Letras, frequentou, a contra gosto, a Escola do Exército que lhe proporciona uma carreira militar de que disse: “no tempo em que fui tropa vivi sempre enrascado”. Paralelamente, exerce como jornalista e vai publicando extensa obra literária, que se torna fecunda quando, reformado no posto de capitão, em 1912.
O mar e os homens do mar foram um tema recorrente da sua obra. Observador atento, vive intensamente a vida dos seus concidadãos cuja imagem nos legou em fantásticos retrato da época.
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