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sábado, 25 de agosto de 2007

PONTOS DE VISTA (1)

bolos na praia e brinquedos com arestas
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Bolas-de-berlim fofas e ainda húmidas, e bolos variados tirados com tenazes de uma caixa de lata com várias gavetas, que uma mulher vestida de branco trazia à cabeça. Batatinhas fritas em pacotes transparentes, cheios de sal e pegajosos do azeite, vendidas por homens que palmilhavam o areal a gritar: "Olhááá batatinha frita! Olháááá batatinha frita!" Barquilhos de proveniência anónima, transportados em sacos enormes, as mesmas mãos que no-los passavam faziam os trocos. Farturas transportadas aos montes em grandes seiras, embrulhadas em papel pardo que rapidamente ficava sujo do óleo. Fruta avulsa, maçãs, laranjas e peras, figos também, vindos sabe-se lá de que pomares ou quintais, vendidos à peça ou em sacos de plástico: "Pode comer à confiança que estão lavadinhos!" Gelados prefabricados com sabores standard, chocolate, baunilha, morango, que saíam do fundo das caixas-geladeiras de carrinhos de venda ambulantes decorados com autocolantes, movidos a pedais e com guarda-sóis para abrigar os vendedores. Gomas redondas, grandes e coloridas, tiradas de máquinas postas à porta das esplanadas da praia, metia-se a moeda, girava-se um manípulo e lá saía a gorda pastilha elástica que se estilhaçava dentro da nossa boca. E as pastilhas rectangulares de cinco tostões, rijas e cheias de corantes, que davam bolas enormes e pegajosas.
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Brinquedos feitos de lata, metal ou plástico, cheios de arestas cortantes, pecinhas que caíam, partes que se soltavam. Piões bem aguçados. Facas e lanças de índios plastificadas e com pontas afiadas. Pistolas de cowboy ou de homem do espaço que disparavam bolas, dardos ou ventosas. Arcos com flechas que magoavam se atiradas de muito perto. Reproduções de armas medievais, machados, espadas, alabardas e picos, responsáveis por muitos "galos". Carrinhos Dinky Toys e Corgi Toys, compactos, pesados e pintados com tinta que rapidamente começava a esfarelar-se com o uso. Berlindes de vidro e "abafadores" multicoloridos que se podiam estilhaçar, se atirados com um pouco mais de violência. Cowboys e índios de plástico que também perdiam a tinta rapidamente, e soldadinhos de chumbo perfeitíssimos que os irmãos mais pequenos eram apanhados a meter na boca e a trincar.
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Eu, e todos os da minha geração, crescemos a comer nas praias doces, salgados e frutas de origens e em condições que fariam os zelosos inspectores da ASAE, e os maluquinhos da "higiene" em geral, deitar as mãos à cabeça. E a manusear brinquedos que esbugalhariam de terror os fanáticos da "segurança" das crianças e causariam apoplexias fulminantes aos burocratas das "normas de protecção". Pelos critérios actuais, teríamos todos sofrido gravíssimas perturbações de saúde, ficado mutilados, deformados ou parcialmente inutilizados, quiçá morrido envenenados.
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Eu e todos os da minha geração devemos ter tido uma sorte descomunal, uns anjos-da-guarda atentíssimos ou uns anticorpos formidáveis, porque não nos aconteceu nada de verdadeiramente grave. Pelo contrário: soube-nos tudo muito bem e divertimo-nos imenso.
in “Diário de Notícias”, 25/Agosto, por Eurico de Barros, jornalista
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