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- desde o dia 14 de Junho de 2007

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

SINFONIA BURLESCO-DRAMÁTICA

do quotidiano do século XXI
.




Levantou-se da cama aonde pernoitara
- um banco duro da estação rodoviária -,
e, em passo lento, sem nunca se apressar,
sem nada ver, como se nada mais houvera
mais que os seus pensamentos, solitária,
foi à sua vida, p’rá rotunda… trabalhar!

Sentou-se, calmamente, à beira-fonte
e de um saco, que é toda a sua vida,
retira, um a um, os seus farrapos:
duas cuecas e um par de meias pretas,
uma blusa velha, de cor indefinida,
uma espécie de lenço e mais uns trapos…


Depois, em gestos lentos, sincopados,
mergulha tudo no lago do repuxo.
Ensaboa e vai esfregando, com vagar
e, quando acha que estão já bem lavados
naquele imenso lavadouro, que é um luxo,
vai estendê-los, nas flores, a enxugar.

Rebusca, então, num dos sacos que trazia,
e tira não sei quê, que começa a mastigar.
Não olha e não vê, não ouve e não escuta;
apenas espera, de expressão vazia,
olhando os carros à volta, a circular…
enquanto aguarda que a roupa fique enxuta.



Mensagem ao Presidente da República, ao primeiro ministro, aos ministros das Finanças e da Solidariedade Social, e aos presidentes da câmara e da junta de freguesia:

Antes de mais, faço uma advertência:
o que eu mostrei, não passa de ficção.
Quer dizer… é o que eu penso…
Desculpe, pois, vossa excelência.
Isto poderia ter acontecido. Mas não,
Não passa de um devaneio do Lourenço…

Numa sociedade moderna, organizada
como a nossa, decerto, um indigente,
uma pessoa meio demente, solitária,
seria, com certeza, bem tratada,
teria à sua espera abrigo certo e decente,
seria acarinhada… e não um pária!

.

7 comentários:

Anónimo disse...

Que lindo poema! E que pena que essas autoridades não gastem um bocadinho do seu tempo a reflectir nisso!

Anónimo disse...

É verdade, Maria Amélia, o Lourenço transformou um episódio burlesco num motivo de reflexão séria sobre exclusão social.
Já agora, Lourenço, que tal pegar nos casos dos toxicodependentes de Quarteira, dos arrumadores de carros, dos vendedores clandestinos da lota, nos ciganos?
Sei que esses a quem escreveu não se dão ao luxo de lerem blogs e muito menos têm tempo para reflectirem em coisas sérias. Mas água mole em pedra dura...
Obrigado pelo seu blog, obrigado pelo seu poema. Obrigado em nome dos que não podem agradecer, como a indigente que "enquanto aguarda que a roupa fique enxuta." Obrigado, Lourenço!

Anónimo disse...

Também gostei.

Anónimo disse...

Que bonito, Lourenço! Se todos agissem como deviam, o mundo seria melhor, realmente.

Anónimo disse...

Oh, Nado: Isto está bestial! Pode ser que os autarcas daí dêm uma vista de olhos ao teu blog e procurem remediar um pouco a vida dos desgraçados,,,

Anónimo disse...

Eu já vi este cenário. Arrepiante, não é? As fragilidades, as discriminações, a hipocrisia social…numa sociedade que se quer inclusiva…
Quarteira, cidade virada para um turismo que se pretende de qualidade, “trata” assim os seus excluídos sociais? Bem…sei que uns dormem ao relento em edifícios abandonados, outros nos bancos da rodoviária….outros ainda nas entradas dos prédios…
Esta deprimente realidade, está ofuscada pela alienação ou distracção, dos autarcas que têm o dever de proteger e transformá-la.
Aos “nossos”excluídos há o dever de os integrar na comunidade. Há que se ter a coragem, determinação e sobretudo boa vontade!
Predicados que, até agora, não tem havido, por parte daqueles que temos eleito para o fazer.

Lourenço Anes disse...

P/ Maria Amélia :

Pois não parece gastarem tempo em reflexões, Maria Amélia… Não terão tempo, as autoridades de que fala…


P/ Ana Baptista :

Ana, Ana… pegar nos casos dos toxicodependentes, arrumadores, vendedores clandestinos… olhe, vamos fazendo o que pudermos. Mas perante surdos, por muita gritaria que façamos… ninguém nos vai ouvir!
Obrigado pelas palavras bonitas com que enfeitou o nosso poema. Eu faço apenas o que posso e quando posso. Olhe, Ana, e se calhar, é muito pouco!


P/ Álvaro M. Lapa :

Seu nome evoca-me o de um grande amigo, que muito gostaria de encontrar. Obrigado por ter gostado


P/ Anónimo de 3/Ago:

Ó meu amigo: eu assim fico meio encabulado, como dizem os brasileiros… Mas a verdade é que é dever de todos nós alertar a humanidade e os homens do poder para os problemas sociais que nos rodeiam…


P/ Rita :

Minha querida, os autarcas (como dizia um comentador ali atrás) não têm tempo para lerem blogues… De resto, tens a certeza de que eles querem remediar a vida dos desgraçados?! Uma beijoca!


P/ Hortense Morgado :

As suas palavras são sábias. É arrepiante. Como é lembrarmo-nos dos que dormem nos edifícios abandonados da rua do Leste… Fala-me de uma sociedade que se quer inclusiva. "Quer"… quem? As palavras bonitas dos ministros dos assuntos sociais? As prédicas dominicais das catedrais do nosso país? Paroli, paroli, paroli… As fragilidades, as discriminações, a hipocrisia social agravam-se em cada dia que passa. Em Portugal ainda mais que no resto da Europa, pelas notícias que hoje vieram a lume: As diferenças entre ricos e pobres no nosso país são as mais flagrantes do mundoo dito civilizado.
Pois é, a alienação, a distracção, a miopia dos nossos autarcas e homens públicos que têm o dever de proteger e transformar uma sociedade desigualitária são terríveis.
Não sonhe muito alto, Hortense Morgado: cada vez é mais difícil encontrar a coragem, determinação e sobretudo boa vontade, por parte daqueles que temos eleito para melhorar as condições de vida de todos nós, mas, particularmente, dos mais desprotegidos.
Graças a Deus que ainda há gente como você, capaz de apontar o dedo. Mas não chega! Todos nós temos a mesma responsabilidade. O mundo está cada vez mais “cão”!