uma terra de contrastes
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"Nunca me revi na ideia de que o Algarve é uma porcaria como destino turístico, um mar imundo de banhistas e um rol de praias apinhadas de carneiros bronzeados. É certo que as fotografias e as imagens televisivas da beira-mar apinhada e das areias cobertas de corpos são reais. Mas o jornalismo capta os maiores denominadores comuns, sobretudo quando se trata de encontrar uma imagem para poupar mil palavras.Nascido no Algarve, é natural que pense assim. Afinal, conheço os recantos, as falésias que escaparam à desordem exógena, os quilómetros de areais a perder de vista onde só gaivotas pisam, as vistas de postal dos anos 60 para os nostálgicos, raras como convém a tudo o que merece ser preservado.
Afinal, sou capaz de estar no coração do Algarve e ir à praia rigorosamente deserta e selvagem, sem um único tijolo. Ou deslocar convidados e familiares para uma praia mais, hum, civilizada — onde ainda assim se pode passear à beira mar, vendo gente, sem ter de pedir licença aos cachos de turistas para por um pé diante do outro. Ou comer o melhor arroz de lingueirão do mundo, ao pôr do sol, com vista para a Ria Formosa, a 12 euro por pessoa, sem atropelos, (des)esperas, filas & confusões. Ou visitar terras que escaparam ao, ou ressuscitaram do, caos urbano e hoje apresentam baixas decentes (Olhão), quando não mesmo bonitas (Tavira, Faro).
O Algarve é uma terra de contrastes. Tem um lado horroroso e tem um lado lindo. Afinal, não é muito diferente de tantos outros destinos, turísticos e não só. E, como nesses, é uma questão de educação, e de bom senso, e de conhecimento, saber frequentar o lado certo.
O lado horroroso serve para o jornalismo e o bloguismo tablóides descarregarem as suas fúrias — e a ausência de assunto por alturas do Verão. O lado lindo é referenciado contidamente nalgum jornalismo e bloguismo de referência — e ao longo de todo o ano, com encanto.
O Algarve é de massas mas não deixa de ser de elites. Tem Albufeira mas tem Quinta do Lago, tem Praia da Rocha mas tem Vale do Lobo. Tem o Barlavento, que é o Algarve que os media mostram, mas tem o Sotavento, onde as massas não chegaram. Tem as vistas do barrocal e das serras — que só as almas interessadas visitam, deixando as lagartas espojadas ao sol nas dunas. Tem um perfume árabe que parece incomodar os hunos — mas que lhe dá uma beleza única, até no contexto mediterrânico.
É compreensível, ainda assim, que quem conheceu Portimão e Albufeira antes da destruição às mãos dos interesses de um punhado de aventureiros que minaram convenientemente o poder local, se sinta amarguradamente afastado. Em nome do “turismo” fizeram-se fortunas à custa da degradação do bem comum. Mas a maioria das pessoas que vocifera impropérios “contra” o Algarve, ou destilam preconceitos de “classe” contra os pé rapados e a alta burguesia que almoça no Gigi, não o viu antes e não o conhece hoje. Uma e outra maiorias são, afinal, igualmente desprezíveis."
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in blogue “Mas certamente que sim”, 26/Jul, por: Paulo Querido
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"onde o jornalismo e o bloguismo tablóides descarregarem as suas fúrias e a ausência de assunto "
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